Escravidão no Brasil

Posted by E. C. Sette

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ESCRAVIDÃO ATRAVÉS DOS TEMPOS
Desde os primórdios dos tempos, o homem tem escravizado outros homens, a fim de satisfazer suas necessidades de mão-de-obra e, principalmente, para demonstrar e aumentar seu poder.
As grandes civilizações tiveram a mão de obra escrava como seu principal meio de produção. Na Antiguidade podemos citar como exemplo mais claro, o Império Romano, que chegou a ter mais escravos do que cidadãos Romanos.
Nos tempos modernos podemos citar Portugal, que desenvolveu o maior e mais lucrativo empreendimento escravista da época. O sistema econômico implantado no Brasil e em outras colônias portuguesas, fez do comércio de negros africanos, homens e mulheres, um eficaz meio de atingir o lucro rápido e fácil.
Mas, após a libertação dos escravos no Brasil, o último local a manter esta mão-de-obra, pode-se que dizer acabou a escravidão? O trabalho de homens, mulheres e crianças nas fábricas inglesas, no auge da Revolução Industrial, não pode ser considerado escravismo? Focalizando os nossos dias, ainda podemos citar formas de escravidão? Além da escravidão física, isto é, utilização de mão-de-obra nas fábricas, nas usinas, nas carvoarias, no campo etc., existem outras formas de escravidão?
A mídia desempenha diariamente um papel massificador. Através da propaganda ela ordena: consuma! “Faça como as pessoas bem sucedidas, seja um deles.” Consuma e descarte. Quanto “custa” consumir? Para onde vai o que você descarta e quais as consequências disso ao ambiente?
Isso é, ou não, escravidão?

DA ÁFRICA AO BRASIL
Ao contrário do que a história oficial ensina em muitas escolas brasileiras, os portugueses não encontraram na África “um bando de negros, selvagens, seminus”, mas sim encontraram civilizações adiantadas e ricas.
A religião, a política e os costumes sociais de Ioruba davam o modelo de uma vasta zona. Os negros de Ioruba eram principalmente agricultores, mas os seus tecelões, os seus ferreiros, os seus artistas em cobre, ouro e madeira já gozavam de merecida reputação e excelência. Criavam-se animais de subsistência – cabras, carneiros, porcos, galinhas e pombos. O cavalo era conhecido há muitos séculos, devido ao contato com os árabes. O fundador do reino de Ioruba representava-se, nos mitos, montado num corcel. Em Gana e na Nigéria utilizavam-se enxadas de ferro antes que os portugueses soubessem o que era isso.
Para caçar os negros na África, Portugal estimulou as guerras entre tribos. Os portugueses firmavam alianças com chefes de algumas tribos, que perseguiam outras. E cumpriam as regras do “jogo”, só embarcando os negros realmente escravos. Os portugueses iniciavam o contato com os chefes dando presentes, como tecidos finos, vinhos, espadas, enfeites. Em troca, iam pedindo “coisas”. Primeiro coisas de comer, depois gente, depois os chefes já estavam dependentes dos produtos portugueses, estes passavam a cobrar impostos.
Em 1620 havia 204 chefes africanos obrigados a entregar escravos aos portugueses, além de animais, panos, e etc. Isso gerou muitas tensões e revoltas na África. Os negros que eram presos e entregues aos portugueses eram marcados com ferro em brasa, e trabalhavam perto do porto, em roças de mandioca e outros trabalhos, até o embarque. Mesmo na África, os negros nunca aceitavam passivamente a escravidão.
As marchas e a longa viagem pelo Atlântico ocorriam em condições terríveis. Eram jogados nos porões imundados e abafados dos navios negreiros ou tumbeiros. Só um em cada três africanos capturados sobrevivia. Baseado nisso, especialistas calculam que a escravidão negra vitimou cerca de sessenta milhões de pessoas entre os séculos XV e XIX.
Os negros eram embarcados na costa ocidental africana, depois de capturados nas regiões onde hoje ficam Guiné-Bissau, Costa do Marfim, Angola e Moçambique. Alguns percorriam milhares de quilômetros na selva, acorrentados, antes de embarcar nos navios negreiros.
A distribuição dos negros no Brasil obedeceu a ciclos econômicos. Os primeiros grupos entravam pelo nordeste e se espalharam nas plantações de açúcar, cacau, e fumo. Durante o século XVIII, os negros foram usados na mineração, com predominância em Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso. No século XIX, trabalharam nas plantações de café de Rio, São Paulo e nas charqueadas do Rio Grande Do Sul.
A maioria dos negros destinados ao Sul e ao Sudeste pertencia à etnia banto, majoritária no centro-sul da África. Para a região Nordeste predominou o tráfico de Iorubas, negros oriundos da Guiné e das proximidades da Nigéria (noroeste da África).
Submetidos a jornadas diárias de até dezoito horas de trabalho braçal, os negros escravos sobreviviam dez anos. Quando morriam, eram imediatamente repostos. Era mais barato ao proprietário comprar um africano novo do que esperar uma criança crescer para se transformar em escrava.
A igreja apoiou o tráfico de negros. O papa Nicolau V, em 1454 autorizou o mercado escravo de africanos pela bula “Romanus Pontifex”. A Igreja justificava o tráfico dizendo que o negro era pagão, e a escravidão era uma forma de salvar o negro, salvar sua alma, prometendo-lhe a vida eterna, depois da morte.

O NEGRO NA SOCIEDADE AÇUCAREIRA
À medida que o tráfico negreiro se intensificou e se transformou num elemento estrutural da colonização, a escravidão foi se convertendo em escravismo, portanto num sistema.
O escravismo colonial, diferentemente do escravismo antigo, foi estruturalmente mercantil, porque a produção açucareira estava toda voltada para o mercado externo, almejando o lucro. Os escravos eram produtores de mercadorias a serem vendidas pelos senhores de engenho.
Por outro lado, o próprio escravo era adquirido através do comércio entre senhores de engenho e traficantes que pertenciam à burguesia metropolitana.
Portanto o escravismo colonial no período açucareiro estruturou-se como sistema integrando três camadas sociais: o escravo, o senhor de engenho e a burguesia metropolitana, na qual se incluiu o traficante de escravos.
Como o próprio nome indica, o escravismo colonial é um sistema que se baseia numa dupla exploração: a escravista e a colonial. E, conforme se observa no esquema, a exploração escravista refere-se à exploração dos senhores de engenho. Ocorre, entretanto, que tendo a exploração um caráter colonial, a maior parte da riqueza acabava se transferindo para as mãos da burguesia mercantil e, também, para o Estado metropolitano.
Eram fiscalizados pelo feitor do engenho, um trabalhador livre, com carta branca do senhor na administração da “negrada”. Havia ainda os capitães-do-mato, responsáveis pela captura de negros fugitivos “vivos ou mortos” e por dar o “bom exemplo” aos demais negros, aplicando castigos muito cruéis, a ponto de matar entre chicotadas, sal nas costas e risos estridentes e estarrecedores.
Inventou-se que a raça negra era inferior, que negro não tinha alma, os jesuítas eram indiferentes à sua escravidão e tortura continua. O negro era mercadoria e, como tal, considerado máquina de trabalhar. Gente nunca. Mesmo assim, contra todas essas advertências, os negros não se submeteram à escravidão.

O NEGRO NA SOCIEDADE MINERADORA
Por serem grandes as incertezas, a atividade mineira não permitia a constituição de empresas de grande vulto, em caráter permanente, salvo em casos reduzidíssimos dos grandes mineradores. Para as empresas de menor tamanho, devido às incertezas e à voracidade fiscal, a situação geral era a impermanência, o que resultou numa forma muito especial de trabalho escravo.
Não podendo arcar com os custos da manutenção de uma escravaria numerosa, os pequenos mineradores davam aos escravos, em geral uma autonomia e liberdade de iniciativa que não se conheceu nas regiões açucareiras. Muitas vezes trabalhavam longe de seu senhor ou mesmo por iniciativa própria, obrigados apenas à entrega da parte de seus achados. Essa situação possibilitou aos escravos acumularem para si um certo volume de riqueza que, posteriormente, foi utilizado na compra de sua alforria.
Apesar disso, não se deve concluir que a escravidão fosse menos rigorosa nas minas. Tal como nos centros açucareiros, a desigualdade foi reproduzida com a mesma intensidade e a pobreza contrastava com a opulência de uma minoria. Ao contrário do que se acreditava, a mineração não foi mais democrática.

O NEGRO NA SOCIEDADE CAFEEIRA
Inicialmente, todos os trabalhadores das fazendas de café eram escravos, que os fazendeiros já possuíam ou adquiram dos mineradores, visto que o plantio de café exigia elevada quantidade de trabalhadores. Sem abundância de capital, o escravo representava para os cafeicultores mão-de-obra de baixo custo, uma vez que o principal fator de produção da lavoura cafeeira era a terra e esta os fazendeiros possuíam em grande quantidade.
A prosperidade da lavoura cafeeira acabava estimulando a transferência de trabalhadores escravos da região nordeste proveniente da lavoura de cana-de-açúcar, já em decadência, para os cafezais da região sudeste.
Com a proibição do tráfico internacional de escravos, decretado pela Inglaterra e a posterior abolição da escravatura no Brasil, a utilização de mão-de-obra já não era mais possível e representava alto custo, visto que era necessário, agora, remunerar o trabalhador.
Os fazendeiros preferiram estimular e imigração de trabalhadores provenientes da Europa, principalmente Itália e Alemanha ao invés de remunerar o negro liberto, tendo sido o estado de São Paulo o principal estimulador e facilitador da importação destes imigrantes, que ao contrário do que acontecia com os escravos, trabalhavam em troca de salário ou até mesmo participação na colheita.
A primeira fase da expansão cafeeira aconteceu utilizando-se de recursos preexistentes e subtilizados e foi adequando-se no decorrer do processo, influenciada por acontecimentos externos e internos, conforme citado.

AS LEIS ABOLICIONISTAS
Em 1850, Eusébio de Queiroz motivou a lei contra o tráfico negreiro, entre outras coisas, pelo medo de o grande número de negros (3.500.000 para 1.500.000 brancos) viesse a perturbar a ordem estabelecida. Queiroz chegou a propor a contratação de um exército de mercenários estrangeiros para manter submissos os escravos, pois os soldados brasileiros se recusavam a cumprir tal oficio. Na verdade, boa parte dos escravos estavam se insubordinando.

Em 1823, cantava-se nas ruas de Pernambuco:
Marinheiros e caiados,
Todos devem se acabar,
Porque só pardos e pretos,
O país hão de habilitar!
Em 1821, os pretos ocuparam Vila Rica, após sangrentos combates, declarando sua liberdade e igualdades aos brancos.
Em 1849, em Queimados, Espíritos Santo, 200 escravos tentaram um levante, visando atingir todo o estado.

Lei do Ventre Livre (1871)
Foi nesse ambiente que o ministério chefiado pelo visconde do Rio Branco apresentou o projeto da lei do Ventre Livre em maio de 1871 para a Câmara dos Deputados. Depois de modificada e adaptada aos interesses escravistas, a lei que declarava livre os filhos de escravos foi finalmente aprovada em 1871, por 65 votos a favor e 45 contra. A maioria dos deputados de Minas, São Paulo e do Rio Grande do Sul. Os representantes das províncias do norte e nordeste votaram maciçamente a favor.

Lei dos Sexagenários (1885)
Em 28 de setembro de 1885 o governo imperial promulga a Lei Saraiva-Cotegipe, conhecida como Lei dos Sexagenários, que liberta os escravos com mais de 65 anos. A decisão é considerada de pouco efeito, pois a expectativa de vida do escravo não ultrapassa os 40 anos.

A ABOLIÇÃO DA ESCRAVATURA
Em 1888, a Princesa Isabel assinou a lei que abolia a escravidão: A Lei Áurea. Em 13 de maio de 1888, o gabinete conservador de João Alfredo apresenta, e a princesa Isabel assina, a Lei Áurea, extinguindo a escravidão no país. A decisão, porém, não agrada aos latifundiários, que exigem indenização pela perda dos “bens”. Como isso não acontece, passam a apoiar a causa republicana.

Em 1899 partiu o último navio, ”Aliança”, levando de volta à África um grupo de ex-escravos. Uma criança que seguiu para a África naquele navio, Maria Romana da conceição, chegou a visitar o Brasil em 1963.
A lei Áurea não indenizou os escravos pelo trabalho realizado. Assim, abandonadas à própria sorte, a maioria caiu na miséria da mendicância e vão compor a camada mais miserável das classes populares.

A ABOLIÇÃO NO CEARÁ
O Ceará é conhecido pelo cognome de Terra da Luz. Muita gente julga que é devido ao seu forte e claro sol tropical. Nada disso. Esse honroso título, dado por José do Patrocínio, se deve ao fato da então província ter abolido a escravatura antes do Brasil. Na verdade o povo cearense nunca gostou mesmo de escravizar os seus semelhantes e a prova disso é que muitos senhores de escravos libertaram os seus negros ainda antes de 25 de março de l884, data em que, sem dar a menor satisfação a D. Pedro II, o Ceará libertou os seus escravos definitivamente.
Antes, porém, foram promovidas muitas campanhas abolicionistas lideradas por João Cordeiro, líder do movimento abolicionista no Ceará que ao lado dos igualmente bravos Antônio Bezerra e José do Amaral, lutaram para libertar, pelo menos o Ceará, da vergonha da escravidão.
Os lideres sempre tiveram o apoio e o carinho do povo. No entanto, a primeira ação prática e drástica para acabar com a escravatura, foi de Francisco José do Nascimento, até então apelidado por Chico da Matilde e que depois seria chamado de “Dragão do Mar”. Francisco José era um mercador de escravos que, depois de convencido pelos abolicionistas, num rompante bem cearense, afirmou que nunca mais embarcaria escravos para o Ceará e nem permitiria que ninguém o fizesse. Isso aconteceu em 30 de agosto de l881. Com a atitude do mercador, tornou-se impossível receber ou embarcar escravos no porto do Ceará. Por esse gesto heroico, Francisco José do Nascimento foi cognominado de “Dragão do Mar”, nome que é hoje dado a um centro de cultura e a uma rádio de Fortaleza.
A campanha abolicionista no Ceará ganha a adesão da população pobre. Os jangadeiros encabeçam as mobilizações, negando-se a transportar escravos aos navios que se dirigem ao sudeste do país. Apoiados pela Sociedade Cearense Libertadora, os “homens do mar” mantêm sua decisão, apesar das fortes pressões governamentais e da ação repressiva da polícia. O movimento é bem-sucedido: a vila de Acarape (CE), atual Redenção, é a primeira a libertar seus escravos, em janeiro de 1883. A escravidão é extinta em todo o território cearense em 25 de março de 1884.

Autoria: Rafael Luiz Silva