O Quilombo dos Palmares
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A origem de Palmares é anterior a 1600. Não se sabe
exatamente o ano. Sabe-se que os escravos de um engenho se rebelaram, e tomaram
o engenho. Ficaram então diante de um problema: se ficassem no engenho, seriam
esmagados pelas tropas do governo. Se levantassem aldeias no litoral, ficariam
livres por um certo tempo, mas seriam apanhados mais cedo ou mais tarde pelos
capitães do mato. Os escravos decidiram então ir para uma região desconhecida,
perigosa e temida pelos brancos : a região de Palmares . O nome “Palmares” foi
dado porque havia mata fechada, sem luz, cheia de mosquitos e animais
perigosos. A floresta se estendia por muitas serras, cercadas por precipícios.
Homens, mulheres e crianças caminharam por muito tempo pela floresta, até
escolherem um lugar para fundar uma aldeia. O lugar escolhido, na serra da
Barriga, foi o início da República dos Palmares.
No começo, viviam de caça, pesca, coleta de frutos. Para os
africanos isso era voltar para trás, pois na África tinham sido povos
agricultores, pastores, artesãos, comerciantes e artistas. Era preciso de mais
gente em Palmares, pois com mais braços seria possível desenvolver mais o
quilombo. Pouco a pouco a população de Palmares aumentou. E a produção
econômica também. Havia palmarinos com muitos conhecimentos de metalurgia do
ferro, com técnicas trazidas da África. Agora, em Palmares, podiam criar, com
seu conhecimento, o que era necessário ao quilombo. Também houve crescimento na
agricultura.
Palmares chegou a ter onze povoações conhecidas, os quilombos
chegaram a cobrir uma área de 350 quilômetros, de norte a sul, em terras que
hoje pertencem ao estado de Pernambuco e ao estado de Alagoas. As principais
vilas perto de Palmares eram Porto Calvo, Alagoas, São Miguel, Una, Ipojuca e
Serinhaém.
Desde seu início, Palmares estava aberto a todos os
perseguidos pelo sistema colonial. Vinham para Palmares negros com as mais
diferentes origens africanas, inclusive com diferentes tradições religiosas e
de costumes. Vinham índios, vinham brancos pobres, vinham mestiços. Os
quilombolas não tinham preconceito de cor ou raça .O que os unia era o fato de
que todos eram pobres, oprimidos e explorados.
Dentro dos povoados palmarinos havia uma rua. Os maiores
tinham três a quatro ruas. Ao longo da rua havia casas de madeiras, cobertas
com folhas de palmeiras. No centro havia um largo, com uma casa de conselho,
uma capela, oficinas dos artesãos, mercado e poço.
Cada povoação tinha um chefe, escolhido por sua força,
inteligência e habilidade. Tinha também um conselho, que controlava o chefe. As
decisões sobre os problemas mais complicados eram tomadas em uma assembleia
geral, da qual participavam todos os adultos da povoação. Havia leis rigorosas,
com pena de morte para roubo, adultério, homicídio e deserção.
A língua falada era uma língua própria, misturando
português, línguas africanas e indígenas. Na religião, combinavam elementos das
religiões africanas e cristã. As capelas tinham imagens dos dois tipos. A
presença da língua portuguesa e da religião cristã nos quilombos, misturada com
outras línguas e religiões, se deve a muita coisa. Uma das coisas que se pode
dizer é que provavelmente serviam para unificar pessoas que vinham de culturas
muito diferentes. Isto é, na África, os negros que agora estavam em palmares tinham
pertencido a tribos diferentes, e até mesmo inimigas. E a religião e a língua
de Palmares tinham de incluir a todos, sem privilegiar uma tribo em prejuízo de
outra. Para isto, os negros pegavam no “cristianismo” aquilo que eles têm de
libertados, e jogavam fora o “cristianismo” que era ensinado pelos padres nas
senzalas, ensinando o escravo a ser passivo e submisso ao senhor de engenho.
Em 1602 houve uma primeira perseguição contra Palmares. Quem
ia nas expedições contra Palmares sempre buscava com isso conseguir vantagens
pessoais. Havia senhores de engenho, interessados em arrebentar uma rebelião de
escravos. Havia oficiais militares, interessados em impressionar o rei de
Portugal e ganhar alguma coisa em troca. A maioria da tropa era formada por mamelucos,
brancos pobres e negros libertos, que pretendiam capturar negros e depois
vendê-los. Havia também índios, que se contentavam com pequenos presentes.
Alguns pretendiam capturar negros para comerem. Todos esses pobres buscavam
melhorar um pouco a miséria em que viviam.
Essa primeira expedição voltou dizendo que tinha destruído
totalmente o quilombo. Aliás, as expedições seguintes, por anos e anos, sempre
voltavam dizendo isso. E sempre era falso. Logo vinham notícias das atividades
dos palmarinos nas redondezas.
Em 1630 os holandeses invadiram a capitania de Pernambuco.
Ate certo ponto, Palmares saiu ganhando com isso, porque os portugueses
passaram a guerrear com os holandeses. Quando os holandeses invadiram Olinda, e
as tropas portuguesas se retiraram, os escravos saem às ruas, incendiando a
cidade. As tropas holandesas entram na cidade, apagam o incêndio e saqueiam a
cidade por 24 horas.
Os portugueses e os senhores de engenho organizam a defesa
contra os holandeses, utilizando a guerra de guerrilhas. Mas em 1635 os
holandeses conseguem vencer a resistência.
Os portugueses enfrentam duas frentes de batalha: de um lado
os holandeses, de outro os escravos e os índios. Muitos índios se passam para o
lado dos holandeses, contra os portugueses, descarregando sobre estes toda
crueldade de que haviam sido vítimas. Uns poucos permanecem com os portugueses,
sob o comando de Felipe Camarão, a maioria por dinheiro.
Os negros, entretanto, não escolhem nem portugueses, nem
holandeses. Sabiam que nenhum dos dois era flor que se cheirasse. Na Bahia, os
holandeses haviam tido apoio de negros, e depois os entregaram aos portugueses
para serem novamente escravos. Foi uma das muitas guerras onde ricos usaram
pobres.
Em 1644, o governador holandês Mauricio de Nassau enviou uma
primeira expedição contra Palmares. Pouco conseguiu. Em 1645, Nassau organizou
outra expedição contra Palmares, comandada por um especialista em guerra de
emboscada. Foi um fracasso total. A expedição nem conseguiu avistar o inimigo,
encontrou apenas duas aldeias abandonadas.
Outra expedição parte. Fez alguns prisioneiros, que foram
repartidos entre soldados. Ainda em 1655 houve mais duas outras expedições, uma
armada pelos senhores de engenho, outra pelo governador; ambas sem resultados.
Em 1674, o governador de Pernambuco começa a preparar uma
grande expedição. Promete aos voluntários a propriedade dos negros presos;
manda vir índios da Paraíba e do Rio Grande do Norte e convoca os negros organizados
sob o comando de Henrique Dias, cuja tropa chama-se “Terço dos Henriques”. Mas
a expedição novamente fracassa.
Quando o governador convidou os para atacar Palmares, em
1675, eles não aceitaram. Estavam acostumados a caçar índios, que se expunham
aos ataques, mesmo com inferioridade de armas, e morriam assim aos milhares. Já
os negros eram tão hábeis na guerra que haviam derrotado grandes militares de
Pernambuco. Os negros tinham táticas de recuo, de emboscada, de fortificação e
muitas armas. Assim, o governador organiza outras expedições com gente da
região, mas sem sucesso.
Em 1676 partem novas expedições. Em uma delas, são
capturados parentes de Ganga-Zumba. Os portugueses propõem a seguinte
negociação: garantia de terra, direitos e liberdade aos negros que se
rendessem.
No dia 18 de junho de 1678, entra em Recife uma embaixada de
Palmares, com quinze pessoas, incluindo três filhos de Ganga-Zumba, para fazer
acordo. Era uma traição aceitar este acordo, pois ele dizia que os negros
nascidos fora de Palmares voltariam à escravidão. Mas Ganga-Zumba aceitou o
acordo. Houve muita luta dentro de Palmares. Uma pequena parte da população
acompanhou Ganga-Zumba. Em novembro do mesmo ano, Ganga – Zumba foi a Recife,
confirmar pessoalmente o acordo. Foi recebido solenemente pelo governador.
Pouco depois, partia para Cucaú, distante 32 quilômetros de Serinhaém, onde
viveriam nas novas terras prometidas pelo acordo. Enquanto isso, o governador
distribuiu 150 léguas de terras palmarinas a grandes proprietários pernambucanos.
Como sempre, os livres e pobres que esperavam terras como recompensa, nada
receberam. Mas nem os “premiados” conseguiram tomar posse de “suas” terras.
Quando tentaram nelas entrar, foram violentamente repelidos pelos palmarinos.
Palmares não havia morrido. Foi apenas uma pequena parte que
acompanhou Ganga-Zumba. A maioria ficou, agora sob comando de um general que
lutaria até a morte pela liberdade dos negros : Zumbi.
Muito jovem ainda, Zumbi já era chefe de um das povoações.
Na época do acordo feito com Ganga-Zumba, 1678, Zumbi era também chefe das
forças armadas de Palmares.
No entanto, a classe dominante procurou ocultar a grandeza.
Hoje, o nome “Zumbi” é visto como nome de assombração, saci ou diabo. Isso
porque Zumbi assumiu a luta de seu povo. E os bandeirantes, que na verdade
foram uns selvagens, são vistos como heróis.
Muitos chefes militares importantes desertaram junto com
Ganga-Zumba. Era um grande perigo para os que ficavam, pois os portugueses
poderiam ter informações completas sobre a organização de Palmares. Então Zumbi
reorganiza toda a vida de Palmares, em função da guerra, que mais cedo ou mais
tarde certamente viria.
Em 1692, o bandeirante Jorge Velho chega a Palmares, ataca,
mas é combatido pelos palamarinos, que o obrigam a recuar. Cego e ódio, o
bandeirante descarregou sua loucura degolando duzentos índios. Ainda em 1692, o
padre Antônio Vieira escreve ao rei de Portugal, dizendo que não havia nenhuma
possibilidade de negociação com os “quilombas”. Se continuassem livres em
Palmares, e em paz, seriam um exemplo aos escravos. O único jeito era destruir
totalmente Palmares.
O governo anuncia que os voluntários para guerrear contra
Palmares receberiam comida. Os padres, nas missas, pregam o dever de todos de
participar da “cruzada contra Palmares”. E a tropa que se formou, em 1694,
tinha nove mil homens. Chegando a Macaco, a tropa tem uma grande surpresa. A
povoação estava incrivelmente defendida. Por dois dias, o exército fica sem
saber o que fazer. Tenta dois ataques, fracassados, e encomenda novos reforços.
Chegam os reforços, trazendo também canhões, que eram um
tipo novo de arma. Houve uma grande batalha, e Macaco foi incendiada. Os
palmarinos lutavam bravamente. Os sobreviventes entravam na mata. Domingos
Jorge Velho fica em Palmares, e aproveita para saquear as fazendas locais.
Havia vários grupos negros, armados no mato. Um deles era
chefiado por Antônio Soares, que foi capturado pelos paulistas André Furtado de
Mendonça. Foi torturado e delatou o esconderijo de Zumbi, em troca de liberdade
e vida. Antônio Soares chega ao esconderijo, na mata. Zumbi o recebe de braços
abertos, mas é retribuído com um punhal na barriga. Os paulistas atacam, e os
negros não se rendem, preferindo morrer. Assim, em 20 de novembro de 1695 morre
Zumbi. Sua cabeça foi cortada e exposta em praça pública, em Recife.
Vários palmarinos foram para a Paraíba, onde, com outros
negros e índios, fundaram o quilombo Cumbe, que era muito combativo, e
sobreviveu até 1731. Outros grupos negros permanecem no litoral, chefiados por
Camoanga, atacando povoações para sobreviver.
As terras de Palmares foram divididas entre senhores de
engenho. Mas até 1710, grupos armados negros combatiam na região. As terras
ficaram abandonadas, transformadas em grandes latifúndios. Muitos perseguidos e
lavradores sem terras buscam refúgio nas matas de Palmares.
Autoria: Rafael Luiz Silva